O que: Roda de Conversa com José Pacheco
Quando:- 23-11-2015
Horário: 19hs
Onde:- Pontão de Cultura Giramundo
End:- Rua Jacob, 223 - Jd Tranquilidade - Guarulhos - SP
Entgrada Franca
Lugares limitados.
José Pacheco e a Escola da Ponte
O educador português conta como é a Escola da Ponte, em que
não há turmas, e diz que quem quer inovar deve ter mais interrogações que
certezas
Cristiane Marangon (novaescola@fvc.org.br)
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José Pacheco não é o primeiro - e nem será o último - a
desejar uma escola que fuja do modelo tradicional. Ao contrário de muitos, no
entanto, o educador português pode se orgulhar por ter transformado seu sonho
em realidade. Há 28 anos ele coordena a Escola da Ponte. Apesar de fazer parte
da rede pública portuguesa, a escola de ensino básico, localizada a 30
quilômetros da cidade do Porto, em nada se parece com as demais.
A Ponte não segue um sistema baseado em seriação ou ciclos e
seus professores não são responsáveis por uma disciplina ou por uma turma
específicas. As crianças e os adolescentes que lá estudam - muitos deles
violentos, transferidos de outras instituições - definem quais são suas áreas
de interesse e desenvolvem projetos de pesquisa, tanto em grupo como
individuais.
A cada ano, as crianças e os jovens criam as regras de
convivência que serão seguidas inclusive por educadores e familiares. É fácil
prever que problemas de adaptação acontecem. Há professores que vão embora e
alunos que estranham tanta liberdade. Nada, no entanto, que faça a equipe
desanimar.
O sistema tem se mostrado viável por pelo menos dois
motivos: primeiro, porque os educadores estão abertos a mudanças; segundo,
porque as famílias dos alunos apóiam e defendem a escola idealizada por
Pacheco.
Quando jovem, esse educador de fala mansa não pensava em
lecionar. Queria ser engenheiro eletrônico. Mas uma questão o inquietava: por
que a escola ainda reproduzia um modelo criado há 200 anos? Na busca por uma
resposta, se apaixonou pelo magistério. "Percebi que na engenharia teria
menos a descobrir, enquanto na educação ainda estava tudo por fazer."
Desse "tudo" de que tem se incumbido o professor Zé, como gosta de
ser chamado, é que trata a entrevista a seguir, concedida à NOVA ESCOLA em São
Paulo.
A Escola da Ponte é bem diferente das tradicionais. Como ela
funciona?
JOSÉ PACHECO Lá não há séries, ciclos, turmas, anos,
manuais, testes e aulas. Os alunos se agrupam de acordo com os interesses
comuns para desenvolver projetos de pesquisa. Há também os estudos individuais,
depois compartilhados com os colegas. Os estudantes podem recorrer a qualquer
professor para solicitar suas respostas. Se eles não conseguem responder, os
encaminham a um especialista.
Existem salas de aula?
PACHECO Não há salas de aula, e sim lugares onde cada aluno
procura pessoas, ferramentas e soluções, testa seus conhecimentos e convive com
os outros. São os espaços educativos. Hoje, eles estão designados por área. Na
humanística, por exemplo, estuda-se História e Geografia; no pavilhão das
ciências fica o material sobre Matemática; e o central abriga a Educação
Artística e a Tecnológica.
A arquitetura mudou para acompanhar o sistema de ensino?
PACHECO Não. Aliás, isso é um problema. Nosso sonho é um
prédio com outro conceito de espaço. Temos uma maquete feita por 12 arquitetos,
ex-alunos que conhecem bem a proposta da escola. Esse projeto inclui uma área
que chamo de centro da descoberta, onde compartilharemos o que sabemos. Há
também pequenos nichos hexagonais, destinados aos pequenos grupos e às tarefas
individuais. Estão previstas ainda amplas avenidas e alguns cursos d'água, onde
se possa mergulhar os pés para conversar, além de um lugar para cochilar. As
novas tecnologias da informação devem estar espalhadas por todos os lados para
ser democraticamente utilizadas pela comunidade, o que já conseguimos.
Os professores precisam de formação específica para lecionar
lá?
PACHECO Não. Eles têm a mesma formação que os de outras
instituições. O diferencial é que sentem uma inquietação quanto à educação e
admitem existir outras lógicas. Nossa escola é a única no país que pode
escolher o corpo docente. Os candidatos aparecem geralmente como visitantes e
perguntam o que é preciso para dar aulas lá. Digo apenas para deixarem o nome.
No fim de cada ano fazemos contato. Hoje somos 27, cada um com suas
especializações.
Como os novos professores se adaptam à proposta da escola?
PACHECO Há profissionais que estiveram sozinhos em sala
durante anos e quando chegam constatam que sua formação e experiência servem
para nada. De cada dez que entram, um não agüenta. Outros desertam e regressam
depois. Mas nós também, por vezes, temos que nos adaptar. Há dois anos
recebemos muitas crianças e professores novos, não familiarizados com a nossa
proposta. Apenas a quinta parte do corpo docente já estava lá quando isso
aconteceu. Passamos a conviver com mestres que sabiam dar aula e estudantes que
sabiam fazer cópias. Foi necessário dar dois ou três passos para trás para que
depois caminhássemos todos juntos. Precisamos aceitar o que os outros trazem e
esperar que eles acreditem em nossas idéias. Essa é a terceira vez que passamos
por isso.
Qual o perfil dos alunos atendidos pela Escola da Ponte?
PACHECO Eles têm entre 5 e 17 anos. Cerca de 50 (um quarto
do total) chegaram extremamente violentos, com diagnósticos psiquiátricos e
psicológicos. As instituições de inserção social que acolhem crianças e jovens
órfãos os encaminham para as escolas públicas. Normalmente eles acabam isolados
no fundo da classe e, posteriormente, são encaminhados para nós. No primeiro
dia, chegam dando pontapés, gritando, insultando, atirando pedras. Algum tempo
depois desistem de ser maus, como dizem, e admitem uma das duas hipóteses: ser
bom ou ser bom.
Como os estudantes vindos de outras escolas se integram a um
sistema tão diferente?
PACHECO Não é fácil. Há crianças e jovens que chegam e não
sabem o que é trabalhar em grupo. Não conhecem a liberdade, e sim, a
permissividade. Não sabem o que é solidariedade, somente a competitividade. São
ótimos, mas ainda não têm a cultura que cultivamos. Quando deparam com a
possibilidade de definir as regras de convivência que serão seguidas por todos
ou não decidem nada ou o fazem de forma pouco ponderada. Em tempos de crise,
como agora, em que muitos estão nessa situação, precisamos ser mais diretivos.
Só para citar um exemplo, recebemos um garoto de 15 anos que tinha agredido seu
professor e o deixado em estado de coma. Como um jovem assim pode, de imediato,
participar da elaboração de um sistema de direitos e deveres?
A escola nem sempre seguiu uma proposta inovadora. Como
ocorreu a transformação?
PACHECO Até 1976, a escola era igual a qualquer outra de 1ª
a 4ª série. Cada professor ficava em sua sala, isolado com sua turma e seus
métodos. Não havia comunicação ou projeto comum. O trabalho escolar era baseado
na repetição de lições, na passividade. Naquele ano, havia três educadores e 90
estudantes. Em vez de cada docente adotar uma turma de 30, juntamos todos.
Nosso objetivo era promover a autonomia e a solidariedade. Antes disso, porém,
chamamos os pais, explicamos o nosso projeto e perguntamos o que pensavam sobre
o assunto. Eles nos apoiaram e defendem o modelo até hoje.
Qual é a relação dos pais com a escola?
PACHECO Eles participam conosco de todas as decisões. Se nos
rejeitarem, teremos de procurar emprego em outro lugar. Também defendem a
escola perante o governo. Neste momento, os pais estão em conflito com o
Ministério da Educação. Ao longo desses quase 30 anos, quiseram acabar com
nosso projeto. Eu, como funcionário público, sigo um regime disciplinar que me
impede de tomar posições que transgridam a lei, mas o ministro não tem poder
hierárquico sobre as famílias. Portanto, se o governo discordar de tudo aquilo
que fazemos, defronta-se com este obstáculo: os pais. Eles são a garantia de
que o projeto vai continuar.
Como sua escola é vista em Portugal?
PACHECO Há uma grande resistência em aceitar o nosso modelo,
que é baseado em três grandes valores: a liberdade, a responsabilidade e a
solidariedade. Algumas pessoas consideram que todos precisam ser iguais e que
ninguém tem direito a pensamento e ação divergentes. Há quem rejeite a proposta
por preconceito, mas isso nós compreedemos porque também temos os nossos. A
diferença é que nós nunca colocamos em cheque o trabalho dos outros.
Consideramos que quem nos ataca faz isso porque não foi nosso aluno e não
aprendeu a respeitar o ponto de vista alheio.
Qual é o segredo de sucesso da proposta seguida pela Ponte?
PACHECO Nós acreditamos que um projeto como o nosso só é
viável quando todos reconhecem os objetivos comuns e se conhecem. Isso não
significa apenas saber o nome, e sim ter intimidade, como em uma família. É
nesse ponto que o projeto se distingue. O viver em uma escola é um sentimento
de cumplicidade, de amor fraterno. Todos que nos visitam dizem que ficam
impressionados com o olhar das pessoas que ali estão, com o afeto e a palavra
terna que trocam entre si. Não sei se estou falando de educação ou da minha
escola, mas é isso o que acontece lá.
O modelo da Escola da Ponte pode ser seguido por outras
escolas?
PACHECO Não defendo modelos. A Escola da Ponte fez o que as
outras devem e podem fazer, que é produzir sínteses e não se engajar em um
único padrão. Não inventamos nada. Estamos em um ponto de redundância teórica.
Há muitas correntes e quem quer fazer diferente tem de ter mais interrogações
do que certezas. Considero que na educação tudo já está inventado. A Escola da
Ponte não é duplicável e não há, felizmente, clonagem de projetos educacionais.
Hoje a escola pode funcionar sem o senhor?
PACHECO Fui e continuo sendo um intermediário. Não tenho
mérito por isso, apenas cumpro a minha missão. Vou me afastar dentro de um ano
e estou amargamente antecipando essa despedida. Todo pai tem de deixar o filho
andar por si próprio e, nesse momento, a Ponte caminha sozinha. Depois quero
continuar desassossegando os espíritos em lugares onde há gente generosa, que
só precisa de um louco com a noção da prática, como eu. Agora ninguém pode
dizer que uma experiência como a da Escola da Ponte não aconteceu, porque ela
existe e provamos que é possível.