19 de agosto de 2011 às 15:17
Fonte: http://www.revistaforum.com.br/blog/2011/08/19/depoimento-bombastico-de-leoni-na-cpi-do-ecad/
Leia a seguir o depoimento
bombástico e esclarecedor do músico Leoni na CPI do Ecad. É impressionante que
mesmo com todas essas evidências a ministra Ana de Hollanda ainda teime em
falar que é contra a “ingerência estatal” na questão dos direitos autorais.
Agora não se pode falar mais em ignorância. A
questão é outra: compromissos com uma lógica perversa e injusta.
Depoimento publicado
originalmente no Grita Brasil e indicado pelo navegante Araken Monteiro.
“Oi pessoal, bom dia!
Bom dia às senhoras e aos
senhores senadores, aos funcionários da casa, aos meus companheiros de mesa e a
todos aqui presentes.
Antes de tudo eu quero me
apresentar. Meu nome é Leoni, sou músico e compositor profissional há 30 anos e
preciso dizer que meus direitos autorais me ajudam muito a ter uma vida mais
confortável. Assim como ajuda diversos dos outros artistas que fazem parte do
grupo que represento, o GAP – Grupo de Ação Parlamentar –, que já conseguiu
importantes vitórias para a classe. Entre nossos colaboradores mais conhecidos
estão Ivan Lins, Francis Hime, Fernanda Abreu, Frejat, Tim Rescala, Dudu
Falcão, Eduardo Araújo, Sérgio Ricardo, Leo Jaime e diversos nomes que
representam toda a cadeia produtiva da música. Fomos responsáveis pela carta da
Terceira Via dos direitos autorais assinada por artistas e criadores de todas
as gerações como Tulipa Ruiz, Jair Rodrigues, Zélia Duncan, Ana Carolina, Jorge
Vercilo, Evandro Mesquita e centenas de outros. A carta e as assinaturas estão
no site: http://brasilmusica.com.br/site/destaque/terceira-via/
Nela deixamos claro que não somos
contra o ECAD, nem contra o direito autoral. E achamos que a centralização das
cobranças da gestão coletiva é o mais aconselhável.
Isso não impede que tenhamos
críticas fortes à forma como o direito autoral da música é administrado.
Para ter certeza de que falamos a
mesma língua em relação ao Direito Autoral, preciso esclarecer alguns pontos
que o ECAD deixa propositalmente obscuros.
1) Há uma diferença muito grande
entre autores e detentores de Direito Autoral. Na música, além dos
compositores, diversos outros atores têm sua cota nos direitos de execução
pública. Temos primeiro o próprio ECAD e as Sociedades que ficam com 25% do
bruto. Depois, dos 75% restantes, 12,5 % ficam para as Editoras e 25% são
divididos para a gravação – produtores musicais (gravadoras), intérpretes e
músicos. No final das contas, para os compositores sobram 37,5% – e ainda temos
impostos, é claro!
Como as decisões tomadas nas
Assembléias das Sociedades e do ECAD são decididas por voto e como esses votos
representam exclusivamente a arrecadação – algo que veremos mais adiante -,
nós, compositores, mesmo que unidos, nunca teremos maioria para modificar algo
que seja importante para os grandes detentores de direitos autorais.
A confusão entre esses agentes é
estimulada pelo órgão quando publica suas listas de maiores arrecadadores nos
meios de comunicação elencando apenas os compositores. Mas, se fossem honestos,
na lista dos 25 mais bem pagos apenas 6 seriam autores, sendo que nenhum
estaria entre os 5 primeiros. Gravadoras e editoras compõem essa maioria.
Diversas decisões da Assembléia
do ECAD demonstram o favorecimento das grandes corporações. Uma delas é a de
reduzir para 1/12 os direitos de quem faz música para imagem. Esses autores não
precisam de editoras nem de gravadoras, já que fazem, em sua maioria, um
trabalho direto para as emissoras de TV. Mas um terço da arrecadação dos
direitos autorais vem daí. Com a diminuição do montante devido a esses
compositores sobrou mais para os outros detentores de Direitos. E criou-se um
tipo de compositor de segunda classe.
Para complicar ainda mais, há
outro tipo de autores de segunda classe que são aqueles representados por
Sociedades às quais o ECAD não dá direito de voto na Assembléia. São as
sociedades Administradas. As outras são chamadas de Efetivas. Aliás, as
administradas não podem nem estar presentes às assembleias. O que fere o
parágrafo primeiro do artigo 99 da lei 9610:
O escritório central organizado
na forma prevista neste artigo não terá finalidade de lucro e será dirigido e
administrado pelas associações que o integrem.”
Das 9 sociedades que integram o
ECAD, apenas 6, as Efetivas, têm direito a voto. Se as administradas não votam,
seus associados então não são representados pelas suas sociedades e muito menos
pelo ECAD.
Então, fica a pergunta: o ECAD
pode dizer que representa os autores? Pode usar esse argumento para tentar
esvaziar a reforma da Lei do Direito Autoral? Quem o ECAD representa?
2) Outro mito importante de ser
analisado é o da Constituição não permitir que o Estado interfira no ECAD por
conta do direito da livre associação. Ora, essa é uma associação por demais
atípica para se valer desse princípio. Primeiro temos o fato importantíssimo de
que o Estado já interveio de forma inequívoca quando criou o sistema ECAD que
obrigou todas as sociedades a estarem vinculadas a ele. Que liberdade é essa? E
dessa interferência as Sociedades não reclamam.
Além disso, ao direito de
associação corresponde um direito de não-associação – que não existe nesse
caso. Sem uma sociedade vinculada ao ECAD não há como participar da gestão
coletiva de Direitos Autorais.
Mais sério ainda é o fato de uma
associação gerir um monopólio que cria obrigações para toda a sociedade. É o
ECAD que determina critérios e preços para utilização de música em todo o país,
com poder de polícia. Como um monopólio criado por lei pode não ser fiscalizado
pelo Estado? É um caso único no arcabouço jurídico brasileiro.
3) O ECAD afirma ser das
Sociedades que, por sua vez, seriam dos autores. Portanto se há algo errado na
administração do órgão baste que os autores se mobilizem. Já vimos no primeiro
item que não somos tão poderosos assim. Mas há outros pequenos truques que nos
impedem de tomar as rédeas do processo. Vejamos os slides de alguns artigos do
Estatuto da UBC:
Artigo 5, parágrafo 5 do Estatuto
da UBC:
§ 5° – Os autores, compositores e
editores que solicitarem ingresso na Associação permanecerão na categoria de
Associados Administrados durante no mínimo doze meses, contados a partir da
aceitação de sua proposta de filiação, pela Diretoria. Decorrido esse prazo a
Diretoria poderá aprovar seu ingresso nas categorias de Associado Efetivo ou de
Associado Editor, conforme o caso, dependendo da rentabilidade das obras das
quais sejam titulares.
Art. 6º – Caberá nas Assembleias
Gerais 20 (vinte) votos a cada associado da categoria de Associado Fundador e
no mínimo 1 (um) voto a cada associado das categorias de Associado Efetivo e
Associado Editor, podendo vir a ser atribuído, a cada associado, até 20 votos
nos termos do disposto no Regimento Interno da Sociedade.
§ 3º – As demais categorias de
associados – administrados citados acima – não terão direito a voto.
A conclusão é de que só quem
arrecada muito tem direito a voto. Ora, quem arrecada muito não quer reclamar.
Quem arrecada pouco não tem o direito de fazê-lo.
Por conta disso é que os seus
dirigentes se eternizam no poder por décadas.
4) Um dos argumentos do ECAD para combater a
criação de um Instituto Brasileiro de Direitos Autorais que, além de
fiscalizar, estabelecesse critérios de cobrança e arrecadação é a invocação de
que o direito de estabelecer preço para as obras é exclusivo do autor. Mas quem
disse que, do jeito que as coisas estão, o autor tem alguma influência nesse
processo? É o ECAD e as Sociedades que estabelecem um preço único. Isso gerou
recentemente um parecer do CADE condenando o sistema ECAD por formação de
cartel.
Não há diferença de preço entre
as Sociedades, quanto mais entre as obras individuais. Eu posso querer cobrar
menos, ou até não cobrar, mas o ECAD, em muitos casos, vai ignorar minha
vontade.
Alguns problemas
1) As recentes denúncias de
fraude envolvendo o ECAD, das quais sei que quase todos os presentes devem ter
tomado conhecimento pelos jornais, revistas e TVs, dão conta de que seu sistema
é extremamente frágil, ineficiente e nada confiável, embora o órgão insista em
dizer o contrário. Seus cadastros não têm uniformidade, não há critérios para
desambiguação de obras homônimas, os registros são frouxos e não exigem nenhuma
comprovação além da palavra de quem se declara autor.
2) Tecnologia defasada e cara.
O sistema de amostragem para
distribuição da execução em rádios é tão ultrapassado que parece má-fé.
Qualquer garoto de 12 anos usa aplicativos capazes de identificar qualquer
música que esteja tocando em rádios, bares, TV etc. É claro que elas precisam
estar corretamente cadastradas. O ECAD anunciou que já gastou R$ 20 milhões
para se capacitar tecnologicamente. Pelos resultados essa fortuna foi jogada no
lixo. A perversidade do sistema de amostragem é que prejudica demais os
artistas locais que não fazem parte do universo de mais executados no país.
Mesmo o Ecadnet, site com todas
as obras registradas pelas sociedades no Escritório, que deveria ser uma
solução tecnológica importante em relação ao cadastro, é tão falho e cheio de
erros que nos assusta. Fiz o levantamento de algumas obras famosas minhas da
época do Kid Abelha como Lágrimas e Chuva, Educação Sentimental, Como Eu Quero
e Fixação e em nenhum dos casos a banda era citada como intérprete. O mesmo
para canções da Legião Urbana em músicas como Ainda é Cedo, Há Tempos, Meninos
e Meninas, Índios, Quase Sem Querer e Tempo Perdido. Pior ainda é Será, que nem
consta entre os autores das diversas obras homônimas o nome do Renato
Manfredini, mais conhecido como Renato Russo. Dá para passar dias descobrindo
furos estarrecedores como o amplamente divulgado caso da família Silva.
Se dizendo vítima e não assumindo
responsabilidade pelas fraudes o ECAD encobre o fato que as vítimas são os
autores que pagam regiamente o órgão e suas sociedades (25%) para cuidar de
seus interesses, mas esse serviço tem se demonstrado ineficiente.
Tanto critérios de cobrança e
distribuição quanto outras informações relevantes são negados ou extremamente
dificultados aos compositores.
Há um número absurdo de ações na
justiça envolvendo o ECAD e as sociedades, tendo chegado já a sete mil. Este é
um sinal, incontroverso, de que algo vai mal com a gestão.
Numa das reportagens recentes
sobre as fraudes no órgão, fala-se da divisão de honorários de sucumbência
entre o departamento jurídico e os próprios presidentes das sociedades, que
atuam também como advogados nas ações, como denunciado pelo jornal O Globo. Na
ação entre a TV bandeirantes e o ECAD, recentemente, estes honorários teriam
chegado a 7 milhões de reais. Além disso, outros R$ 400.000,00 teriam sido
pagos a um escritório “amigo” do ECAD, sendo que o órgão possui um departamento
jurídico . Seria essa a razão para tantas ações na justiça?
A quem interessam então essa
ações milionárias? Não seria muito mais saudável e menos custoso que se
resolvessem esses litígios através de um poder moderador e arbitral exercido
pelo estado?”