O povo africano escravizado foi
trazido ao Brasil e enviado para vários estados, principalmente para o trabalho
em lavouras. Junto
com este contingente vieram também os costumes e tradições, entre elas os
Batuques e seus Batuqueiros e um estilo de dança que era denominado como
“SEMBA”.
O Batuque que chegou ao Brasil é
uma forma de expressão artística genuinamente africana, como também a dança que
brotava ao seu compasso. No Brasil esta forte influência se funde as culturas
decorrentes de regiões espalhadas pelo território continental brasileiro
iniciando uma imensurável cultura popular.
Socialmente, a confluência de
escravos nascidos livres, afro-brasileiros nascidos escravos e escravos
libertos proporcionam várias manifestações e revoltas, principalmente na Bahia.
Grande número desses negros do estado da Bahia migra para o Rio de Janeiro,
capital brasileira.
No entanto a cultura advinda do
processo já se proliferou por todo o território nacional.Se na Bahia esses movimentos
redefinem o calendário religioso por intermédio do sincretismo e migram ao Rio
de Janeiro, em São Paulo
se manifesta através das Festas Religioso-profanas, principalmente no interior
do estado, onde o Senhorio rezava aos Santos e a Escravaria se dedicava aos
Batuques.
A manifestação popular de origem
negra através do SAMBA gera um preconceito e repressão por parte da cultura
dominante burguesa que classifica o estilo musical como grosseiro de cadência
rude e monótona. No mesmo momento em que a alta sociedade brasileira se baseia
no modelo francês da Bela Época (Belle Époque) para instalar o progresso e a
civilização, acreditando ser o Saber Erudito homogeneizante, em detrimento das
Crenças e Culturas Populares.
Abro um parêntese para comentar
como exemplo o fato de em 1907, o então ministro da guerra do governo Afonso
Pena, Mal Hermes da Fonseca ter proibido as bandas militares de executarem o
ritmo MAXIXE (ritmo primo irmão do SAMBA). A Igreja católica também embirrou com
ritmo pagão. Em 1914 o cardeal Arcoverde, arcebispo do Rio de Janeiro, condenou
a dança indecente.
Ainda em 1914, as vésperas do
término do mandato presidencial, Nair de Teffé esposa do presidente Hermes da
Fonseca, chateada por assistir cerimônias oficiais que não mostravam a cultura
brasileira, preparou uma surpresa que acabou tornando-se um escândalo nacional.
Ela convocou o compositor Catulo da Paixão Cearense para acompanhá-la, com seu
violão, na apresentação da música que ela considerava a mais brasileira, o
MAXIXE “Corta Jaca” de Chiquinha
Gonzaga. Abaixo alguns versos da música:
“Essa dança é
buliçosa,
Tão dengosa
Que todos querem
dançar
Não há ricas
baronesas,
Nem marquesas
Que não queiram
requebrar…”
Em resposta ao ocorrido, o então senador Rui Barbosa, que havia perdido a
eleição presidencial para Hermes da Fonseca, se manifesta na tribuna do senado:
“... A mais baixa, a mais chula, a mis grosseira de todas as danças
selvagens, a irmã gêmea do batuque, do
cateretê e do Samba. Mas nas recepções presidenciais o “Corta Jaca” é executado
com todas as honras de Wagner, e não se quer que a consciência desse país se
revolte, que as nossa faces se enrubesçam e que a mocidade de ria!”
Fechando o parêntese. Apesar de o Samba “Pelo Telefone” ter sido registrado
por Donga e Mauro de Almeida ser considerado o primeiro samba gravado, há
muitas controvérsias, tanto quanto a autoria bem como a ter sido o primeiro
samba gravado e até ser considerado por muitos um Maxixe. Na verdade, sabe-se
hoje em dia que já em 1914 vários outros sambas já haviam sido gravados,
como segue:
OUTROS SAMBAS: Numa série de 1912 a 1915, da Gravadora
ODEON, temos “A Vila Está Magoada” - Catulo da Paixão Cearense; “Moloque
Vagabundo” - Lourival Carvalho; “Chora, Chora, Chorado” - Bahiano,
Janga e Grupo Paulista; “Samba Roxo” - Eduardo das Neves . Na gravadora
Columbia (1908/1912) “Samba Michaella” - Bartlet; “Quando a Mulher
Não Quer” - Arthur de Castro; “No Samba” - Pepa Delgado e Mário
Pinheiro. Gravadora Phoenix (1914/1918) “Flor do Abacate” e “Samba do Urubu”
- Grupo do Louro, Samba Pessoal Descarado - Grupo dos Descarados; “Vadeia
Caboclinha” - Grupo Tomaz de Souza; dos Avacalhados “Samba” - Grupo do
Pacheco, “Coro e Batuque”. Gravadora Favorite Record “Samba em Casa de Baiana”
- sem identificação de intérprete ou autor. (1910/1913).
Alem disto, a quem diga que o samba “Pelo Telefone” era de
composição popular, cantado nas rodas de Partido Alto no terreiro de “Tia
Ciata” – A Mãe do Samba. Existe também uma menção ao qual João da Baiana
teria gravado este samba primeiro do que Donga, mas que por um erro da gráfica
no selo do disco seu número ficou posterior ao de Donga. Consta também relato
de que Sinhô tenha tentado também registrar o samba, porem posteriormente a
Donga.
Temos também a questão da letra do samba que foi alterado para a gravação,
A ironia contra a Polícia e a apologia
aos jogos de azar, ocasionaram a mudança nos versos. Veja:-
Letra Original
O chefe da Polícia
Pelo telefone
Mandou avisar
Que na carioca
Tem uma roleta
Para se jogar
Letra Alterada
O chefe da folia
Pelo telefone
Manda avisar
Que com alegria
Não se questiona
Para se brincar
O carnaval foi uma das formas de
se infiltrar na cultura dominante, passa a influenciar a cultura pequena
burguesa da capital Rio de Janeiro. Somente a partir de 1920 é que essa resistência
popular passou a colher seus frutos. Já em 1930 o samba passou a ser apresentado
à alta sociedade e também aos estrangeiros, a tocar em rádios, o que veio
estimular os compositores a lançar sambas de forma comercial.
O tema recorrente nas canções
carnavalescas era a falta de dinheiro e também a política. Numa época em que
mesmo que se trabalhasse muito o pagamento nunca era suficiente para o sustento.
Outro personagem que era comumente cantado nos versos era o Malandro, pessoa
que morava no morro, no subúrbio, freqüentava bares e para a qual a vida teria
fornecido esperteza.
O Brasil e o Estado Novo de Getúlio
Vargas
O DIP foi criado por decreto
presidencial em 1939 e deveria difundir a ideologia do Estado Novo junto as
camadas populares e dominar a vida cultural do país. Tinha a função de coordenar, orientar,
centralizar e fazer censura: propaganda interna e externa, teatro, cinema e funções
esportivas e recreativas, manifestações cívicas, festas patrióticas,
exposições, concertos, conferências, e dirigir o programa de radiodifusão
oficial do governo.
O Estado Novo sabia da enorme
penetração do samba e o carnaval na base as sociedade brasileira,
principalmente a carioca e faz uma aproximação exigindo mudanças nos temas. Deveria
sair o “Malandro” (lhe fora apregoado que não gostava de trabalhar, o que vinha
em desencontro a política de trabalho do governo Vargas), entrando em seu lugar
os temas nacionalistas e líricos amoroso que apresentavam tons fantasiosos de
um Brasil pobre, mas alegre, ativo, unido, o paraíso tropical, onde as condições
internas eram suprimidas.
Veja o exemplo da interferência
do DIP na música “Bonde São Januário”
de Wilson Batista e Ataulfo Alves.
Letra alterada
Quem trabalha
É quem tem razão
Eu digo não tenho medo de errar
O bonde de São Januário
Leva mais um operário
Sou eu que vou trabalhar
Letra Original
Quem trabalha
Não tem razão
Eu digo não tenho medo de errar
O bonde de São Januário
Leva mais um otário
Sou eu que vou trabalhar
O lírico amoroso nos versos de “Felicidade” de Lupicínio Rodrigues:
“Felicidade foi-se
embora
E a saudade no meu
peito ainda mora
E é por isso que eu
gosto lá de fora
Porque sei que a
falsidade não vigora
A minha casa fica lá
detrás do mundo
Onde eu vou em um segundo quando começo a cantar
O pensamento parece
uma coisa à toa
Mas como é que a
gente voa quando começa a pensar”
Samba nacionalista “Aquarela do Brasil” de Ari Barroso:
“Brasil, meu Brasil
brasileiro
Meu mulato inzoneiro
Vou cantar-te nos
meus versos
O Brasil, samba que
dá
Bamboleio que faz
ginga
O Brasil do meu amor
Terra de Nosso Senhor
Brasil! Brasil!
Prá mim...prá mim...
Ói, esse Brasil lindo
e trigueiro
É o meu Brasil
brasileiro”
O malandro agora passaria a ser “Malandro Regenerado” com uma postura
caricata pequeno burguesa, como no samba “Senhor Delegado” de Antonio Lopes e
Jaú:
“Senhor delegado
Seu auxiliar está
equivocado comigo
Eu já fui malandro
Hoje estou regenerado
Os meus documentos
Eu esqueci mas foi
por distração
Comigo não
Sou rapaz honesto
Trabalhador, veja só minha mão
Sou tecelão”
No Estado Novo o “malandro” não
portava mais revolver, navalha, nem usava força física. Sua arma passou a ser o
jogo de palavras, quando surgia alguma linguagem estranha, visava a sátira ou
ao disfarce. Como no samba “Acertei no
Milhar” de Wilson Batista e Geraldo Pereira, eternizada por Moreira da
Silva.
Acertei no milhar
Ganhei quinhentos contos
Não vou mais
trabalhar
Você dê toda a roupa
velha aos pobres
E a mobília podemos
quebrar (isto é prá já)
Etelvina
Vai ter outra lua de
mel
Você vai ser madame
Vai morar no Palace
Hotel
Eu vou comprar um
nome não sei onde
De Marquês Dom Morengueira de Visconde
E um professor de
francês mom amour
Eu vou trocar seu
nome
Pra Madame Pompadour”
Neste
escopo, o Estado Novo que tinha o centro do governo no Rio de Janeiro, então capital
brasileira, e havia transformado a Rádio Nacional do RJ em estatal - a rádio
tinha potência que alcançava todo o território nacional - desta forma o governo
de Getulio Vargas decreta que o Samba Carioca seria o Samba Nacional.
Office of
the Coordinator of Inter- American Affairs – OCIAA
(Escritório
do Coordenador de Assuntos Interamericanos)
A
agência norte-americana - OCIAA
atuou de forma ostensiva com o DIP, principalmente nas pesquisas e
implementação de técnicas para a criação de cartilhas escolares. Se subdividia
em seções: música, cinema, imprensa, literatura, rádio, arte, finanças,
exportação, problemas sanitários, transporte e educação infantil. Veiculava na
imprensa brasileira factóides favoráveis aos Estados Unidos. Trouxeram ao
Brasil o American way of life (estilo americano de vida).
Trecho
de carta de Ary Barroso a sua filha no Brasil.
"Já
estive nos estúdios do Walt Disney. Colosso! Fui recebido com todas as honras.
Ele me ofereceu um drinque e me exibiu a nova fita sobre assuntos brasileiros com o
pato e o papagaio."
Data
desta carta: 1942. Remetente: Ary Barroso, Los Angeles. "Assuntos
brasileiros": os filmes de animação "Alô, Amigos" (43) e
"Você Já Foi à Bahia?" (45), que introduziram ao mundo o papagaio Zé
Carioca e as músicas "Aquarela do Brasil" e "Na Baixa do
Sapateiro".
Na
música “Brasil Pandeiro”- Assis
Valente revela a verdadeira face desta troca cultural.
“Chegou a hora dessa gente bronzeada
mostrar seu valor
Eu fui à Penha, fui pedir à padroeira
Eu fui à Penha, fui pedir à padroeira
para me ajudar
Salve o Morro do Vintém, Pendura a saia,
Salve o Morro do Vintém, Pendura a saia,
eu quero ver
Eu quero ver o Tio Sam tocar pandeiro
Eu quero ver o Tio Sam tocar pandeiro
para o mundo sambar”
Waldek
Artur de Macêdo – O Gordurinha também revela a verdadeira face desta troca
cultural com seu Samba “Chiclete com
Banana”.
“Eu só boto bebop no meu samba
Quando Tio Sam tocar um tamborim
Quando ele pegar
No pandeiro e no zabumba.
Quando ele aprender
Que o samba não é rumba.
Aí eu vou misturar
Miami com Copacabana.
Chiclete eu misturo com banana,
E o meu samba vai ficar assim:”,
Quando Tio Sam tocar um tamborim
Quando ele pegar
No pandeiro e no zabumba.
Quando ele aprender
Que o samba não é rumba.
Aí eu vou misturar
Miami com Copacabana.
Chiclete eu misturo com banana,
E o meu samba vai ficar assim:”,
Se,
desde os anos 1930, o samba "significava o Brasil", na década de 1950
afirmou-se uma espécie de "samba crítico" no qual esse símbolo
convencional da brasilidade era incorporado pelos compositores para demonstrar
as fragilidades e contradições da nação, sugerindo uma canção de protesto avant-la-lettre
(após a letra).
Os
“Sambas Críticos” apontavam para a falência da democracia social do Estado Novo
e da "democracia racial" propagada pelas elites intelectuais, nesse
jogo, aceitavam-se as bases simbólicas do samba-exaltação (o morro, o povo
"autêntico"), mas invertia-se o seu sentido político.
Samba
de Geraldo Pereira “Ministério da
Economia”
“Seu Presidente,
Sua Excelência mostrou que é de fato
Agora tudo vai ficar barato
Agora o pobre já pode comer
Seu Presidente,
Pois era isso que o povo queria
O Ministério da Economia
Parece que vai resolver
Seu Presidente
Graças a Deus não vou comer mais gato
Carne de vaca no açougue é mato
Com meu amor eu já posso viver”
Sua Excelência mostrou que é de fato
Agora tudo vai ficar barato
Agora o pobre já pode comer
Seu Presidente,
Pois era isso que o povo queria
O Ministério da Economia
Parece que vai resolver
Seu Presidente
Graças a Deus não vou comer mais gato
Carne de vaca no açougue é mato
Com meu amor eu já posso viver”
Samba “Preconceito” de Wilson Batista
“Eu nasci num clima quente
Você diz a toda gente
Que eu sou moreno demais
Não maltrate o seu pretinho
Que lhe faz tanto carinho
E no fundo é um bom rapaz
Você diz a toda gente
Que eu sou moreno demais
Não maltrate o seu pretinho
Que lhe faz tanto carinho
E no fundo é um bom rapaz
Você vem de um palacete
Eu nasci num barracão
Sapo namorando a lua
Numa noite de verão
Eu vou fazer serenata
Eu vou matar minha dor
Meu samba vai, diz a ela
Que o coração não tem cor”
Sapo namorando a lua
Numa noite de verão
Eu vou fazer serenata
Eu vou matar minha dor
Meu samba vai, diz a ela
Que o coração não tem cor”
O Samba
“Escurinho” de Geraldo Pereira
“O escurinhoera um escuro direitinho
Que agora tácom essa mania de brigão
Parece pragade madrinha ou macumba
De alguma escurinhaque lhe fez ingratidão
Saiu de cana aindanão faz uma semana
Já a mulherdo Zé Pretinho carregou
O escurinhoera um escuro direitinho
Que agora tácom essa mania de brigão
Parece pragade madrinha ou macumba
De alguma escurinhaque lhe fez ingratidão
Saiu de cana aindanão faz uma semana
Já a mulher do Zé Pretinho carregou”