Desfile
Grupo Especial na Marquês de Sapucai
Horário:- 00h15 – 01h05
Dia 20/02/2012
Sambódromo Marquês de Sapucai
"Vou Festejar! Sou Cacique,
Sou Mangueira."
Sinopse
Tudo começou na África, num tempo
em que eu era ainda moço e minha tribo estava a mercê do perigo e os sacerdotes
cuidavam de expulsar com reza forte as vibrações de má sorte que rondavam nossa
morada.
Lembro-me que os mensageiros da
morte vieram de longe, do outro lado das águas, talvez, não tivessem sequer no
corpo o bronze da nossa pele, não tinham os lábios carnudos, eram estranhos em
tudo! E até mesmo esses detalhes que constroem a nossa face, neles eram
diferentes. Juro que inocente, pensei até em disfarce.
Conduzido pela dor, fui levado
prisioneiro ao traiçoeiro Negreiro, o reino da apatia. Lá, sujeito às doenças e
a fome que habitavam aquele porão sombrio, caí no mais denso e frio estado de
melancolia.
E era como um açoite, a escuridão
da noite, toda vez que ela chegava. E eu sofria pesadelos, acordava assustado.
Ainda na inocência, confundia a luz da vidência com as trevas dos maus
presságios.
Ao desembarcar, os pés feridos,
descalços, vi quando o sal do oceano espalhou-se sobre o chão molhado
desenhando uma linda concha do mar e, ouvi a voz de Iemanjá me falar: este
"Mundo" é o teu "Novo" lar! Prepara-te, o teu futuro te
reserva coisas lindas, surpresas te virão ainda.
Já em terra firme, nos primeiros
anos depois que saí da minha terra, suportei a mão pesada da escravidão e as
feridas da solidão.
Certa vez, escondido pelo breu da
noite, resolvi caminhar na mata. Eu já andara bastante. Com a respiração
ofegante, parei pra descansar um instante.
E o sono foi me apagando, a
cabeça meio tonta, eu já nem me dava conta do perigo de dormir longe da
senzala, do povo da minha tribo, sem a proteção de um abrigo.
E ali sonhei meu destino. No
sonho um guerreiro caçador, o cacique dos índios, passeava naquelas terras e me
viu sentado sob uma tamarineira que ele havia plantado no seu tempo de menino.
Sentou-se ali, ao meu lado,
desenhou com seu arco, no chão, uma pequena flecha e, com amabilidade,
perguntou a minha idade, quis saber em que cidade eu havia nascido.
E eu, me sentindo à vontade lhe
falei dos deuses iorubás, da minha terra natal, do cordão umbilical, do rio da
minha aldeia.
E ele, com calma, me falou do
poder das folhas e das raízes que transformam em cicatrizes ferimentos e
mordeduras de aranhas e de serpentes; dos banhos quentes de algumas ervas e
sementes, que curam até os doentes de alma.
Ao voltar pra senzala era como se
meu coração tivesse fala. O Rio de Janeiro era o meu novo terreiro e nas
batucadas, nas festas, na alegria das ruas, nas brincadeiras do povão,
encontrei meu destino e enganei a solidão.
Quando o Entrudo chegava uma
maravilha de ruídos invadia as ruas, um barulho encantador que contrastava com
a sujeira reinante. Divertidas batalhas com limão de cera, água e farinha
branca atiradas sobre os participantes aconteciam a todo instante.
Zé-pereira, bumbos, rostos e
bumbuns de negros azucrinando nas praças e no passeio público, zombando, se
divertindo, enquanto a viola chorava e espinoteava espantando a tristeza. E
tudo era instrumento, flauta, violões, pandeiros, latas, gaitas, frigideiras de
ferro, caixotes e trombetas. Instrumentos sem nome, inventados subitamente no
delírio da improvisação, do ímpeto musical, na força do sentimento.
Já que batucar na cozinha Sinhá
não deixava, o nosso canto ecoava nas senzalas e invadia as ruas. Aliás, na rua
do Ouvidor, na rua Direita ou no Largo de São Francisco tudo era canto e os
sons sacudiam e movimentavam as vestimentas de cores vivas, ardentes, dançando
e tateando os corpos que exalavam o doce perfume da alegria.
A elite fazia biquinho e
implicava, chamava nossa festa de selvagem e brutal e que o verdadeiro carnaval
estava nos salões da nobreza de Paris e Veneza.
Discriminada e com as autoridades
policiais no encalço, a turma dos descalços e descamisados tratou de arrumar um
jeitinho para continuar festejando.
Com um olho no padre e outro na
missa lutamos dançando, dançamos rezando e rezamos cantando. As festas,
celebrações e procissões dos brancos, agora, serviam como máscaras e disfarces.
Por trás delas festejávamos nossas entidades sagradas e batucávamos até o sol
raiar.
Organizados em Cordões
carnavalescos, cantadores e dançarinos, palhaços, a morte, os diabos, os reis,
as rainhas, as baianas, os morcegos e os índios também entraram na dança e
colocaram a polícia pra dançar.
No noturno da Praça Onze, ali
mesmo na nossa "Pequena África", os desfiles do Pastoril e dos
Maracatus em louvor à Ciata D'Oxum, a tia-mãe-baiana dos festejos, se tornaram
a sensação e os luxuosos Ranchos cantadores, dominados pelos negros e
castanhos, rompiam a massa colorida em grande animação. Para matar a sede dos
cantadores e dos berradores, os refrescos de coco, os gelados de abacaxi e
limão. Para a fome, bolos de fubá, pé-de-moleque, alcaçuz, tapioca, manauê e
feijoada no caldeirão.
Mascarada, a elite branca se
esbaldava no luxo dos salões, nos desfiles dos corsos e das grandes Sociedades.
O povo negro e pobre, barrado no baile burguês, continuou dono das ruas e
vielas como legítimos senhores da folia.
Música, fanfarra, préstito,
maxixe e, finalmente, de semba se fez samba. Abençoadas por Nossa Senhora do
Rosário, na Festa da Penha, as negras suspendiam as saias rodadas e dançavam,
nos requebros das ancas, no arranco das umbigadas. Enquanto os senhores rezavam
na parte alta das escadarias, na parte de baixo, a sensualidade era religiosa,
o ritmo dos batuques era sacerdotal e feiticeiro. Ali desaguavam os cantos e as
melodias de todo o povo brasileiro e os compositores da primeiríssima geração
de sambistas, testavam a popularidade do seu cancioneiro.
O tempo passou. A cidade se
transformou em uma selva de pedra onde a "Onça" reinava absoluta e
era a principal atração. "Vejam todos presentes, olha a empolgação, este é
o Bafo da Onça que eu trago guardado no meu coração". Até que um dia, um
"Cacique" bamba entrou na folia e dividiu a tribo do samba sem
vacilação. "Foi lá no fundo do seu quintal que o samba pegou moral e
agitou a massa, e o povo voltou a cantar e sorrir, caciqueando aqui e ali,
abrindo o coração pro amor".
De repente as ruas esvaziaram-se!
Será que a "Onça" vacilou, foi beber água de cheiro e se afogou?! Até
mesmo o bravo "Cacique" parecia cansado das batalhas de confetes e
desanimou! Para onde teria ido a alegria? Onde estaria a espontaneidade que
transformava cem pessoas saídas de um bairro em quinhentas, em mil, sem ninguém
se conhecer?
Mas o samba é eterno, não tenho
medo de responder! Ele até pode agonizar, mas jamais irá morrer! A
"Onça" marcou bobeira e não mais saiu da toca, mas o "Cacique",
malandro, mudou de oca, foi fazer morada à sombra de uma tamarineira e ali no
subúrbio da Leopoldina, abençoado por Oxossi, o pagode ecoou vindo do
"Fundo do Quintal" e embalado por banjos, repiques, tantãs e
pandeiros conquistou o Brasil inteiro.
"Batam palmas, gritem,
soltem a voz. Pra manter o pique só depende de nós"!
O carnaval, a partir daí, não
terminava mais na quarta-feira de cinzas. Quase sem querer, ele se fragmentou
em diversas festas nos lares das famílias simples, em animadas rodas de samba,
em batuques sobre mesas de bares, confirmando que a tribo do samba ainda queria
apito, sem necessariamente o pau ter que comer!
Isso tudo já faz muito tempo.
Hoje eu chego com o vento e volto aos pés da velha tamarineira, sento-me
novamente ao lado do guerreiro e de Oxossi em saudação ao meio século de
história do Cacique de Ramos. Nós somos as raízes e o Cacique é o tronco desta
árvore que deu frutos como Jorge Aragão, Almir Guineto, Arlindo Cruz, Dicró,
Mauro Diniz, Zeca Pagodinho, Luis Carlos da Vila e Neguinho da Beija-Flor,
entre outros nomes, além da dindinha Beth Carvalho um bendito fruto feminino
entre tantos homens.
Salve a tribo dos bambas; esse
"Doce Refúgio" de pagodeiros e malandros no bom sentido da palavra.
A tribo que bate tambor e faz
ecoar o surdo de primeira pra saudar a sagrada tamarineira e confirmar que o
bom samba também mora em Mangueira.
Afinal, "onde eu cheguei,
nem um mortal chegou, modesta parte nessa arte, Deus me consagrou e o meu canto
ecoou por todo universo, até em Marte o meu samba fez sucesso!"
Por tudo isso vou festejar, pois
sou Cacique, sou Mangueira!
Bibliografia:
1) Cacique de Ramos – Uma História que
deu Samba.
Autor: Carlos Alberto Messeder Pereira.
2) Blocos.
Autor: João Pimentel.
3) Almanaque do Carnaval.
Autor: André Diniz
4) Ogundana – O Alabê de Jerusalém.
Autor: Altay Veloso.
Veja mais:- http://www.mangueira.com.br/
Vídeo:
Samba Enredo
Vou Festejar! Sou Cacique, Sou Mangueira.
Compositores: Igor Leal,
Lequinho, Junior Fionda e Paulinho Carvalho
Salve a tribo dos bambas!
Onde um simples verso se torna
canção...
Salve o novo palácio do samba!
O “Doce refúgio” pra inspiração
Debaixo da tamarineira
Oxóssi guerreiro me fez recordar
Um lugar... O meu berço num novo
lar
Seguindo com os “pés no chão”
“Raiz” que se tornou religião
Da boemia, dos antigos carnavais
Não esquecerei jamais!
Firma o batuque, quero sambar...
Me leva!
A Surdo Um faz festa!
Esqueça a dor da vida...
Caciqueando na avenida
Sim...
Vi o bloco passando, o nobre
rezando e o povo a cantar
Sim...
Era um nó na garganta ver o Bafo
da Onça desfilar...
Chora, chegou a hora eu não vou
ligar
Minha cultura é arte popular
Nasceu em Fundo de Quintal...
Sou Imortal e vou dizer
Agonizar não é morrer
Mangueira, fez o meu sonho
acontecer... (hey, hey, hey)
O povo não perde o prazer de
cantar
Por todo universo minha voz ecoou
Respeite quem pôde chegar
Onde a gente chegou!
Vem festejar, na palma da mão
Eu sou o samba, “a voz do morro”!
Não dá pra conter tamanha emoção
Cacique e Mangueira num só
coração