Horário:- 03h30 – 05h15
Dia 19/02/2012
Sambódromo Marquês de Sapucai
"Você Semba Lá .... Que Eu
Sambo Cá!
O Canto Livre de Angola"
Sinopse
O Brasil e Angola são ligados por
laços afetivos, linguísticos e de sangue. São irmãos pela história que os une.
Desde a Antiguidade, já existiam
bestiários que repertoriavam as estranhezas da fauna e das características
geográficas. Segundo o jesuíta Sandoval (1625), " Os calores e os desertos
da África misturavam todas as espécies e raças de animais, em redor de poços,
criando um ecossistema particular, capaz de engendrar hibridações monstruosas.
Tal circunstancia fazia da África, o continente de todas bestialidades, o
território de eleição do diabo."
As bestialidades de que falava
tal escritor eram hipopótamos e rinocerontes, chacais e hienas, zebras e
girafas, avestruzes e palancas negras, entre outros.
A estranheza também era causada
pela cor da pele de seus habitantes.
As regiões abaixo do deserto do
Saara, chamadas de Ndongo e Matamba, eram habitadas por dois povos distintos:
os ambundos e os jagas. Os primeiros eram excelentes ferreiros, cuja habilidade
era muito apreciada. Os jagas, por sua vez, se destacavam como guerreiros
invencíveis, pois se exercitavam diariamente em local apropriado a que chamavam
de quilombo.
Na época da expansão marítima
portuguesa, esses dois povos possuíam um soberano a que chamavam de Ngola.
No século XVII, a região de Angola
era governada por uma rainha chamada Njinga, que era ambundo pela linhagem
materna e jaga, pela paterna. Expressão do encontro de dois grupos étnicos, que
apesar de semelhantes, tinham organizações distintas, Njinga os governou com
sabedoria. A persistência do incômodo causado pelo seu sexo, entretanto,
levou-a a assumir um comportamento masculino, liderando batalhas pessoalmente e
vestindo de mulher seus muito concubinos, que faziam parte de seu harém.
Apesar da fama de Njinga ter sido
construída na luta da resistência contra o domínio de Portugal, entre os
portugueses o reconhecimento de seu talento político e capacidade de liderança
surgiu a partir de seu desempenho como chefe de uma embaixada que o então Ngola
do Ndongo, enviou ao governador português, em 1622. Recebida com uma pompa que
deve tê-la
impressionado, Njinga também
teria causado impacto entre os portugueses ao agir e falar no mesmo idioma que
o deles, como chefe política lúcida e articulada.
O interesse português era um só –
mão de obra para outra colônia de além–mar, o Brasil. Embora fossem ricos em
minerais, em diamantes, nada disso os interessou. Pois na época, o reino de
Angola era o grande manancial abastecedor dos engenhos do Brasil. Sem o açúcar,
não havia o Brasil. Sem negros não haveria o açúcar. Sem Angola, não havia
negros. E, sem Angola não havia o Brasil.
Apesar da resistência de Njinga,
o comércio era feito de modo avassalador. Os negros cativos ficavam em
barracões, que podiam acolher cerca de 5.000 almas, que eram embarcadas rumo ao
novo continente, em viagem longa, cuja duração podia ultrapassar dois meses,
dependendo das condições climáticas. O porto e partida era Luanda, o maior
centro de comércio escravagista africano. A cidade alcançara essa posição a
partir do momento em que os escravos passaram a ser embarcados diretamente para
as colônias americanas. Aproximadamente doze mil viagens foram feitas dos
portos africanos para o Brasil, para vender, ao longo de três séculos, quatro
milhões de escravos, aqui chegados vivos.
A despedida era simples. A
cerimônia de batizado era na hora do embarque: - Seu nome é Pedro; o seu é
João; o seu, Francisco, e assim por diante. Cada viajante recebia um pedaço de
papel com um nome escrito. Então, um intérprete ironicamente dizia: "Sois
filho de Deus, a caminho de terras portuguesas, esquecei tudo que se relaciona
com o lugar de onde viestes, agora podeis ir e sede felizes".
A morte social despe o escravo de
seus ancestrais, de sua família, e de sua descendência. Retira-o de sua comunidade
e de sua cultura. Ele é reduzido a um exílio perpétuo.
E lá se vão, num navio
abarrotado, sem alimentos adequados, sem sequer espaço para se acomodarem.
Levam na memória, os cantos, as danças, os ritmos, as tradições. Levam Njinga e
seu espírito combativo, a levam na memória, apesar das ordens para esquecerem
tudo....
Os navios negreiros aportavam no
Cais do Valongo, longe do rebuliço da cidade. Alí os escravos viviam em
depósitos, a espera para serem comprados. Pois foi em 1779, por ordem do Vice-Rei,
marquês de Lavradio, que nesta região se localizaram o cais, o mercado e as
precárias instalações para abrigar os recém chegados.
Por ironia do destino, foi neste
mesmo cais, que anos mais tarde, receberia em 3 de setembro de 1843, a princesa Tereza Cristina,
futura Imperatriz do Brasil, e também mãe da princesa Isabel, aquela que
terminaria de vez com o regime de escravidão. O cais foi remodelado e uma
cenografia decorativa escondia aos olhos reais as imagens da pobreza extrema e
a humilhação a que eram submetidos os recém chegados.
Presente em vários lugares em que
houve a escravidão, a coroação de um rei e uma rainha negra era uma forma de
diminuir o sentimento de inferioridade social, assim como as irmandades
permitiam a reunião para reverenciar algum santo, mas sobretudo como
relacionamento social entre os escravos.
"Nesta santa irmandade se
farão todos os anos hum Rey e huma rainha os quais serão de Angolla, e serão de
bom procedimento, e terá o rey tão bem seu voto em meza todas as vezes que se
fizer visto da sua esmolla avantajada." O titulo a que se dava era Rei do
Congo e a Rainha Njinga. A fama de Njinga atravessou os séculos e os mares,
sendo evocada em festas populares no Brasil. Mas antes de se alojar no
imaginário popular, as lições de Njinga foram muito provavelmente postas em
prática na luta dos quilombolas de Palmares.
Com o intuito de se divertirem,
as irmandades aproveitavam-se das comemorações dos dias dedicados a este ou
aquele santo, para organizarem seus festejos. E era quase que o ano inteiro,
pois S. Pedro, S. João, Santo Antonio, o Espírito Santo e outros tantos mais,
se espalhavam no calendário. Tudo era oportunidade para comemorações festivas.
Na Festa do Divino, segundo
Manuel Antonio de Almeida, embora os músicos fossem muito apreciados pelo
publico, ele considerava que eram desafinados e desacertados: "Meia dúzia
de aprendizes de barbeiro, negros, armados este, com um pistom desafinado,
aquele com trompa diabolicamente rouca formavam uma orquestra desconcertada, porém
estrondosa, que fazia as delicias dos que não cabiam ou não queriam estar
dentro da igreja. Mas era musica buliçosa, um convite aos jovens à dança".
Os instrumentos que usavam eram basicamente trombetas, trompas, cornetas,
clarinetas e flautas e os de corda – as rabecas, violões, tambores, bumbos e
triângulos também eram encontrados.
A festa reunia uma enorme
economia e produção. Os fogos, no Campo de Santana, era a maior atração. Depois
as barracas, com comidas e bebidas, show de ginástica e muita cantoria. A que
fazia mais sucesso, entretanto, era
a barraca conhecida como Três
Cidras do Amor, frequentada pela família e pelo escravo, pela plebe e a
burguesia. Era um salão um tanto acanhado. Num dos cantos havia um teatrinho de
bonecos com cenas jocosas e honestas. O conjunto de atrações das Três Cidras do
Amor era longo e variado. Peças como Judas em Sábado de Aleluia eram encenadas.
Depois do inicio do baile com valsas, as apresentações cada vez mais se
afastavam de uma pretensa seriedade, e a dança tradicional e eletrizante do
povo brasileiro assumiam o espaço, com os dançarinos bamboleando, cantando,
requebrando-se, ondulando as nádegas a externuar-se, e dando umbigadas. Os
homens e as mulheres que realizavam os indefinidos e inimitáveis requebros,
umbigadas e movimentos lascivos não nasceram nos ricos salões de baile, estavam
nas ruas, reuniam-se nas festas de largo, onde seus ritmos prediletos eram
apresentados como atração e divertimento.
A junção dos violões, cavaquinhos
e flautas já era praticada pelos músicos barbeiros,ou como insistem alguns
especialistas, havia sido realizada nos casebres populares do Rio, mais
precisamente na Cidade Nova.
Lá, destaca-se Tia Ciata, dando
continuidade aos festejos que já aconteciam no Campo de Santana, abandonado pelos
festeiros após a Reforma do local. Tia Ciata nasceu em Salvador em 1854, e aos
22 anos, trouxe da Bahia o samba para o Rio de Janeiro. Foi a mais famosa das
tias baianas, trazendo também o candomblé, do qual era uma ialorixá. Na casa da
Tia Baiana foi criado "Pelo Telefone", o primeiro samba gravado em
disco, no ano de 1916, assinado por Donga e Mauro de Almeida. Na sua residência
ecoavam livremente os batuques do samba e do candomblé.
Segundo Mary Karash, das danças
escravas, como o lundu, capoeira e jardineira, a que ficou conhecida no século
XIX por "batuque" é a mais próxima do samba carioca moderno.
O termo SAMBA, possuía uma clara
origem angolana. O verbo kusamba, que significava saltear e pular,
provavelmente expressasse uma grande sensação de felicidade.
Hoje,"O Samba é considerado
como um produto da história social brasileira". De acordo com o presidente
do Iphan, "O gênero musical e coreográfico pode ser considerado tanto como
sendo próprio de comunidades culturais identificáveis (executantes e brincantes
inseridos em agrupamentos sociais de pequena escala) e também no contexto da
vida urbana, e da indústria cultural mediatizada. O vigor do Samba enquanto
gênero cultural encontra-se em sua plasticidade e capacidade de gerar inúmeras
variantes,
como o samba-de-roda, o samba
carioca, o samba rural paulista, a bossa nova, o samba-reggae e outros mais, em
suas diversas interpretações."
Aqui na Vila Isabel, que é de
Noel, e de Martinho, devemos a ele esta história. Ele que, nos anos 70, fez sua
primeira viagem ao continente negro e durante muitos anos foi a ponte entre o
Brasil e Angola, sendo considerado um Embaixador Cultural. Levou a música
brasileira como um presente ao povo amigo e irmão, através das vozes tão
brasileiras de Caymmi, João Nogueira, Clara Nunes e ainda Chico Buarque,
Miúcha, Djavan, D. Ivone Lara, entre outros. Três anos mais tarde, Martinho
elaborou um projeto trazendo a música angolana para os brasileiros, a que
chamou de O Canto livre de Angola.
Nosso samba.... seu semba ...por
isso enquanto eu sambo cá.... você semba lá...
AUTORES DO ENREDO: Rosa Magalhães
(Carnavalesca) & Alex Varela (historiador)
Mentor do enredo: Martinho da Vila
Bibliografia consultada:
ABREU, Martha. O Império do Divino. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
ALENCASTRO, Luis Felipe. O Trato dos
Viventes. A Formação do Brasil no Atlântico Sul. S. Paulo: Cia. das Letras,
2000.
KARASCH, Mary C. A Vida dos Escravos no
Rio de Janeiro, 1808-1850. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
LOPES, Nei. Kitabu. Rio de Janeiro:
Editora Senac, 2005.
MARTINHO DA VILA. Kizombas, Andanças e
Festanças. Rio de Janeiro: Léo Christiano Editorial, 1992.
MOURA, Roberto. Tia Ciata e a Pequena
África do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado, 1992.
RODRIGUES, Jaime. De costa a costa:
Escravos, Marinheiros e Intermediários no trafico de Angola ao Rio de Janeiro.
São Paulo: Editora Schwarcz, 2005.
Veja mais:- http://www.gresunidosdevilaisabel.com.br/
Vídeo:
Samba Enredo
Você Semba Lá .... Que Eu Sambo Cá!
O Canto Livre de Angola
Compositores: Evandro Bocão,
Arlindo Cruz, André Diniz, Leonel e Artur das Ferragens
Vibra, oh, minha Vila
A sua alma tem negra vocação
Somos a pura raiz do samba
Bate meu peito à sua pulsação
Incorpora outra vez Kizomba e
segue na missão
Tambor africano ecoando, solo
feiticeiro
Na cor da pele, o negro
Fogo aos olhos que invadem
Pra quem é de lá
Forja o orgulho, chama pra lutar
Reina ginga ê matamba, vem ver a
lua de Luanda nos guiar
Reina ginga ê matamba, negra de
Zambi, sua terra é seu altar
Somos cultura que embarca
Navio negreiro, correntes da
escravidão
Temos o sangue de Angola
Correndo na veia, luta e
libertação
A saga de ancestrais
Que por aqui perpetuou
A fé, os rituais, um elo de amor
Pelos terreiros (dança, jongo,
capoeira)
Nascia o samba (ao sabor de um
chorinho)
Tia Ciata embalou
Com braços de violões e
cavaquinhos a tocar
Nesse cortejo (a herança
verdadeira)
A nossa Vila (agradece com
carinho)
Viva o povo de Angola e o negro
Rei Martinho
Semba de lá, que eu sambo de cá
Já clareou o dia de paz
Vai ressoar o canto livre
Nos meus tambores, o sonho vive